Imagine-se caminhando pelos anos 50 e 60 na rua Joaquim Távora, na Vila Mariana, cheia de casas de classe média e ruas de paralelepípedos. Rita Lee passou a infância e adolescência nesse cenário.
Hoje, o quarteirão onde a família Jones – e, mais especificamente, Rita – residia, está sob o domínio de instituições religiosas.
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O casarão imponente dos anos 1920, descrito por Rita como “o grande palco das idiossincrasias de nossa família Addams”, é apenas uma memória. Ele foi demolido há mais de três décadas, junto com outras três residências. No lugar, surgiram dois prédios da Igreja Católica.
A princípio, foi casa e gráfica do Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras e, nos últimos três anos, os jesuítas têm mantido a propriedade como moradia e biblioteca.
O interessante é que a vizinhança que outrora acolhia a “Ovelha Negra” agora abriga várias denominações religiosas.
Ao lado, está a congregação evangélica Família Vila. Do outro lado da rua, temos o Santo Confúcio – um instituto taiwanês de Cultura e Educação. Subindo um pouco a rua, encontramos uma escola e um templo batista.
A rua que Rita uma vez chamou de “a mais perfeita tradução” de São Paulo, mantém o ritmo frenético da metrópole. A paisagem mudou, agora dominada por prédios altos e uma infinidade de bares atendendo aos universitários locais, segundo informações do portal ‘Uol’.
No entanto, existe uma casa que parece ter congelado no tempo. Maria Emília Galvão, 80 anos, mora nessa residência do século passado, ornamentada com um portão de ferro em arabesco, janelas amplas e um porão.
“Eu brincava muito na rua com a Mary Lee, irmã de Rita, porque a Rita era pirralhinha. Não tinha o movimento de hoje em dia, e a gente ficava o dia inteiro jogando bola, no pega-pega e esconde-esconde”, relembra Maria Emília.
Mesmo com propostas tentadoras de até R$ 2 milhões pelo terreno, Maria Emília se recusa a deixar o lugar onde passou toda a vida com pais, irmãos e sobrinhos.
“A casa ficou preservada como era porque a gente não tinha muito dinheiro para reforma”, explica, rememorando os dias em que sua família operária trabalhava nas gráficas e laboratórios da região.
Enquanto isso, os Jones eram uma família de classe média alta. O pai de Rita, Charles, tinha um consultório de dentista na Rua Xavier de Toledo, no centro de São Paulo.
Veja uma foto da fachada da residência jesuíta onde era o casarão em que Rita Lee cresceu:
Pelas ruas da Vila Mariana
A rainha do rock brasileiro, Rita Lee, é muito mais que um ícone da música – ela é um patrimônio cultural da Vila Mariana, zona sul de São Paulo.
Nascida e criada nesse bairro vibrante, ela teve o primeiro filho, Beto, ainda morando na mesma região. Seus pais, originários de Rio Claro, interior de São Paulo, escolheram a Vila Mariana para estabelecer suas raízes, impulsionados pela rede de amigos que tinham por lá.
Inicialmente, a família se fixou nas proximidades da estação de bonde, na Rua Vergueiro. No entanto, quando Rita, a mais nova das três filhas, veio ao mundo, eles já estavam bem estabelecidos na Rua Joaquim Távora.
Rita carrega em seu sobrenome uma homenagem ao seu pai, descendente de imigrantes norte-americanos que se fixaram em Santa Bárbara d’Oeste (SP) após a Guerra de Secessão (1861-1865). “Lee”, adotado por suas filhas Mary, Virginia e Rita, faz referência ao general confederado Robert E. Lee.
A forte influência católica na família vem por parte da mãe, Romilda Padula, de descendência italiana. Por conta dessa herança espiritual, Rita frequentou inúmeras missas dominicais na Paróquia Santo Inácio de Loyola, vizinha de sua casa, onde fez a primeira comunhão e a crisma.
Após as cerimônias religiosas, a família aproveitava para fazer piqueniques na então Floresta do Ibirapuera, situada no final de sua rua. No âmbito escolar, a cantora também permaneceu no bairro, cursando desde o jardim de infância até o “científico” (atual ensino médio) no Liceu Pasteur.
Em sua autobiografia, Rita relembra com carinho do “visual lisérgico” da primeira casa, com suas paredes cobertas de desenhos, capas de revistas, fotos de celebridades da época, santos e cacos de louças quebradas – estas últimas, segundo ela, “obra da mulherada quando ainda nem existia televisão”.
Rita Lee: uma jornada de idas e vindas
Rita Lee fez da Vila Mariana o seu lar até os 20 anos. A mudança só aconteceu quando decidiu dividir o lar com Arnaldo Baptista, seu então marido e companheiro na lendária banda Mutantes.
Com o término do casamento e a saída do grupo, em 1972, Rita passou por vários endereços na cidade. Entretanto, como diz o ditado, “o bom filho à casa torna”, e não demorou muito para ela voltar às suas raízes.
Rita relembra em seu livro: “Um belo dia bateu uma baita saudade da Vila Mariana. Encontrei um sobradinho simpático na rua Pelotas, longe o suficiente da casa dos meus pais, mas perto o bastante para ir a pé fazer uma visitinha e filar um rango gostoso”.
A estadia na Rua Pelotas foi marcada por histórias peculiares e emocionantes. Uma delas envolve Ziggy e Martha, um par de maracajás (pequenos felinos selvagens) que Rita acolheu em casa.
Certa vez, Ziggy escapou, deixando a vizinhança em pânico com o rumor de que “uma onça” estava à solta. “Fui encontrá-lo preso num caixote de madeira numa padaria na esquina da rua Tutóia”, relembra ela em sua biografia.
Também foi nessa época que Rita enfrentou um dos momentos mais difíceis de sua vida. Em agosto de 1976, foi detida sob a acusação forjada de posse de maconha. “Eu estava grávida de dois meses e nem queria ver drogas pela frente, mas fui presa para servir de ‘mau exemplo’ para a juventude.”
Foi então que a residência na Rua Pelotas tornou-se um lar-prisão, com policiais vigiando a casa até o nascimento de seu filho com Roberto de Carvalho. Após o incidente, a família mudou-se brevemente para um apartamento na rua Eça de Queiroz, também na Vila Mariana.
Em janeiro de 2020, Rita retornou uma última vez ao seu amado bairro, revisitando as ruas que marcaram sua infância para uma gravação.
Ela recordou “a molecada na rua”, “as festinhas com Ray Conniff tocando na vitrola”, “as procissões da Semana Santa” e “meu castelo encantado da Joaquim Távora”.
No entanto, a vida veio a surpreendê-la com uma pandemia, um câncer no pulmão e, finalmente, a morte.
Apesar de Rita não ter partido “do coração”, como na letra de seu sucesso ‘Saúde‘, ela sem dúvida “ainda fará um monte de gente feliz“ nos próximos anos, décadas e até séculos. Basta ouvir suas músicas para isso acontecer.
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Além do legado, Rita Lee deixa herança milionária para os três filhos
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